Com a perna no mundo

com a perna no mundo

A medida em que o ar começava a esfriar pelas brechas das janelas deixadas no ônibus a seus oitenta quilômetros por hora, eu recolhia os meus braços a proteger-me. As cidades se distanciavam através de uma cumprida calda de asfalto. Estendendo para trás os limites de aglomerados urbanos, que cuspiam para a paisagem pequenos pedaços não digeridos da sua forma original.

O céu começava a cobrir-se por um véu translúcido. Eventualmente, aos poucos perdia sua entonação de cinza pela noite. Aproximando a ilusão de constelações suburbanas visíveis, para servir de pano de fundo daqueles pastos que começavam a surgir na outra cidade, que ainda eram pastos remendados por debaixo das torres gigantes de energia. E eu com a perna no mundo.

Pelos acostamentos daquela grande rodovia, se esgueiram as memórias dos militares, se alimentam de pensamentos sórdidos deixados pelo caminho por quem já saturou-se demais da sua posição. Semelhantemente e progressivamente anulada pelo vidro fechado dos carro e os ouvidos surdos dos assentos daquele mundo isolado e particular.

No limite daquele destino, havia preparado dois colchões com muitas cobertas de lã e lençóis limpos. Durante a noite os incontáveis estalos da porta de alumínio brincavam com o barulho vindo do bailão das esquinas. Assim aglomerados, a expressão da cultura que existe à margem do silencio que lhe era atribuída. A janela fria dava vista para aquele portão, que um dia foi de improviso feito a madeira velha, com base de boas economias foi erguido um portão novo, e essa obra assistiu por muito, alguns dos personagens que ali viviam. Sobretudo, os que passarão por ele.

Todos se conectavam naquele ponto da madrugada.

Posteriormente com aqueles pés descalços no piso frio, na reflexão de todos os últimos fatos, interrompido por barulhos de súbito na geladeira. Restava a quem a quebra do silêncio das angústias acumuladas no peito e rascunhadas em papel?

Weslley, agora loiro, pegou um livro que continha todas as misérias do mundo e deitado ao chão, apoiou a cabeça. Escutava o barulho da máquina de lavar a chocalhar as roupas. Às vezes, os respingos de gotas daquelas já lavadas e estendidas no varal. A memória dos quartos individuais adquiridos aos vinte e cinco anos ou os vinte e cinco anos extraviados de uma vida adulta futura. A sensação de escassa fala solitária que reverbera todos os quatro cantos do quarto. com a perna no mundo.

Como resultado, mesmo por uma súplica por um sol de fim de tarde, um outro dia estava agendado. A comida estaria posta à mesa nos mesmos segundos que o micro-ondas anunciasse, com o propósito da mesma combinação de algoritmos que resultassem naquela segmentação, da mesma mesa de bilhar, entrecruzar a transparência de constelações num aquário. Frágil.

Não apenas, a panela de sopa sob fervura no fogão. Mas também entrelaçado nos amontoados dos cobertores de lã, a beijos longos sem alardes, com um notebook equilibrado na gaveta da cômoda ao lado, num filme sem roteiro de dois homens, dois corpos. Repousavam em carícias a intimidade, e o tempo corroía o sonho dentre tantos detalhes. Amanhã bato com a perna no mundo.